António Agostinho Neto
Nasceu
as cinco horas do
dia dezessete de setembro de 1922 em Kaxicane, freguesia de S. José, conselho de
Icolo e Bengo, Distrito de Luanda, filho de Agostinho Neto, catequista de
Missão americana em Luanda, sendo mais tarde pastor e professor nos Dembos, e
de Maria d Silva Neto, professora. Veio a falecer em 10 de Setembro de 1979, em Moscovo.
Realizou seus estudos primários e
secundários em Angola, licenciado em Medicina pela Universidade de Lisboa. Em
Portugal, sempre esteve ligado a atividade política, onde com Lúcio Lara e
Orlando de Albuquerque fundou a revista Momento, em 1950. Como aconteceu a
outros escritores africanos foi preso e exilado para Cabo Verde, tendo mais
tarde conseguido a fuga para o continente. Foi o primeiro presidente de Angola.
Assumiu
a direção do Movimento Popular de Libertação de
Angola (MPLA), do qual já era presidente honorário desde 1962. Em paralelo, desenvolveu
uma actividade literária, escrevendo poemas.
Agostinho
Neto, que era casado com a portuguesa Eugénia Neto, morreu num hospital em
Moscovo no decorrer de complicações ocorridas durante uma operação a um cancro hepático de que
sofria, poucos dias antes de fazer 57 anos de idade. Foi substituído na
presidência de Angola e do MPLA por José Eduardo dos Santos.
ÁLBUM DE FOTOGRAFIAS
|
Agostinho e D.Eugênia |
Chegada de Agostinho Neto à Luanda. |
Agostinho Neto com Fidel Castro. |
Viúva de Agostinho |
OBRA LITERÁRIA
POESIA
- 1957 Quatro
Poemas de Agostinho Neto, Póvoa do Varzim,
e.a.
- 1961
Poemas, Lisboa,
Casa dos Estudantes do Império
- 1974
Sagrada Esperança, Lisboa, Sá da Costa (inclui os poemas dos dois
primeiros livros)
- 1982 A
Renúncia Impossível, Luanda, INALD (edição póstuma)
POLÍTICA
- 1974 - Quem
é o inimigo… qual é o nosso objetivo?
- 1976 -
Destruir o velho para construir o novo
- 1980 -
Ainda o meu sonho
Palpitam-me
os
sons do batuque
e
os ritmos melancólicos do blue
Ó
negro esfarrapado do Harlem
ó
dançarino de Chicago
ó
negro servidor do South
Ó negro de África
negros
de todo o mundo
eu
junto ao vosso canto
a
minha pobre voz
os
meus humildes ritmos.
Eu
vos acompanho
pelas emaranhadas áfricas
do
nosso Rumo
Eu
vos sinto
negros
de todo o mundo
eu
vivo a vossa Dor
meus
irmãos.
Contratados
Longa
fila de carregadores
domina
a estrada
com
os passos rápidos
Sobre
o dorso
levam
pesadas cargas
Vão
olhares
longínquos
corações
medrosos
braços
fortes
sorrisos
profundos como águas profundas
Largos
meses os separam dos seus
e
vão cheios de saudades
e
de receio
mas
cantam
Fatigados
esgotados
de trabalhos
mas
cantam
Cheios
de injustiças
calados
no imo das suas almas
e
cantam
Com
gritos de protesto
mergulhados
nas lágrimas do coração
e
cantam
Lá
vão
perdem-se
na distância
na
distância se perdem os seus cantos tristes
Ah!
eles
cantam...
Aspiração
Ainda
o meu canto dolente
e
a minha tristeza
no
Congo, na Geórgia, no Amazonas
Ainda
o
meu sonho de batuque em noites de luar
ainda
os meus braços
ainda
os meus olhos
ainda
os meus gritos
Ainda
o dorso vergastado
o
coração abandonado
a
alma entregue à fé
ainda
a dúvida
E
sobre os meus cantos
os
meus sonhos
os
meus olhos
os
meus gritos
sobre
o meu mundo isolado
o
tempo parado
Ainda
o meu espírito
ainda
o quissange
a
marimba
a
viola
o
saxofone
ainda
os meus ritmos de ritual orgíaco
Ainda
a minha vida
oferecida
à Vida
ainda
o meu desejo
Ainda
o meu sonho
o
meu grito
o
meu braço
a
sustentar o meu Querer
E
nas sanzalas
nas
casas
no
subúrbios das cidades
para
lá das linhas
nos
recantos escuros das casas ricas
onde
os negros murmuram: ainda
O
meu desejo
transformado
em força
inspirando
as consciências desesperadas.
Fogo e ritmo
Sons
de grilhetas nas estradas
cantos
de pássaros
sob
a verdura úmida das florestas
frescura
na sinfonia adocicada
dos
coqueirais
fogo
fogo
no capim
fogo
sobre o quente das chapas do Cayatte.
Caminhos
largos
cheios
de gente cheios de gente
em
êxodo de toda a parte
caminhos
largos para os horizontes fechados
mas
caminhos
caminhos
abertos por cima
da
impossibilidade dos braços.
Fogueiras
dança
tamtam
ritmo
Ritmo
na luz
ritmo
na cor
ritmo
no movimento
ritmo
nas gretas sangrentas dos pés descalços
ritmo
nas unhas descarnadas
Mas
ritmo
ritmo.
Ó
vozes dolorosas de África!
kinaxixi
Gostava
de estar sentado
num
banco do kinaxixi
às
seis horas duma tarde muito quente
e
ficar...
Alguém
viria
talvez
sentar-se
sentar-se
ao meu lado
E
veria as faces negras da gente
a
subir a calçada
vagarosamente
exprimindo
ausência no kimbundu mestiço
das
conversas
Veria
os passos fatigados
dos
servos de pais também servos
buscando
aqui amor ali glória
além
uma embriagues em cada álcool
Nem
felicidade nem ódio
Depois
do sol posto
acenderiam
as luzes
e
eu
iria
sem rumo
a
pensar que a nossa vida é simples afinal
demasiado
simples
para
quem está cansado e precisa de marchar.
Noite
Eu
vivo
nos
bairros escuros do mundo
sem
luz nem vida.
Vou
pelas ruas
às
apalpadelas
encostado
aos meus informes sonhos
tropeçando
na escravidão
ao
meu desejo de ser.
São
bairros de escravos
mundos
de miséria
bairros
escuros.
Onde
as vontades se diluíram
e
os homens se confundiram
com
as coisas.
Ando
aos trambolhões
pelas
ruas sem luz
desconhecidas
pejadas
de mística e terror
de
braço dado com fantasmas.
Também
a noite é escura.
Medo
no ar!
Em
cada esquina
sentinelas
vigilantes incendeiam olhares
em
cada casa
se
substituem apressadamente os fechos velhos
das
portas
e
em cada consciência
fervilha
o temor de se ouvir a si mesma
A
historia está a ser contada
de
novo
Medo
no ar!
Acontece
que eu
homem
humilde
ainda
mais humilde na pele negra
me
regresso África
para
mim
com
os olhos secos.
Latas
pregadas em paus
fixados
na terra
fazem
a casa
Os
farrapos completam
a
paisagem íntima
O
sol atravessando as frestas
acorda
o seu habitante
Depois
as doze horas de trabalho
Escravo
Britar
pedra
acarretar
pedra
britar
pedra
acarretar
pedra
ao
sol
à
chuva
britar
pedra
acarretar
pedra
A
velhice vem cedo
Uma
esteira nas noites escuras
basta
para ele morrer
grato
e
de fome.
Adeus à hora da largada
Minha
Mãe
(todas as mães negras
cujos filhos partiram)
tu
me ensinaste a esperar
como
esperaste nas horas difíceis
Mas
a vida
matou
em mim essa mística esperança
Eu
já não espero
sou
aquele por quem se espera
Sou
eu minha Mãe
a
esperança somos nós
os
teus filhos
partidos
para uma fé que alimenta a vida
Hoje
somos
as crianças nuas das sanzalas do mato
os
garotos sem escola a jogar a bola de trapos
nos
areais ao meio-dia
somos
nós mesmos
os
contratados a queimar vidas nos cafezais
os
homens negros ignorantes
que
devem respeitar o homem branco
e
temer o rico
somos
os teus filhos
dos
bairros de pretos
além
aonde não chega a luz elétrica
os
homens bêbedos a cair
abandonados
ao ritmo dum batuque de morte
teus
filhos
com
fome
com
sede
com
vergonha de te chamarmos Mãe
com
medo de atravessar as ruas
com
medo dos homens
nós
mesmos
Amanhã
entoaremos
hinos à liberdade
quando
comemorarmos
a
data da abolição desta escravatura
Nós
vamos em busca de luz
os
teus filhos Mãe
(todas as mães negras
cujos filhos partiram)
Vão
em busca de vida.
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